quarta-feira, 15 de maio de 2019

Filme pernambucano Bacurau chega no Festival de Cannes, na França, determinado a oxigenar o cinema brasileiro

Barbara Cohen. Foto: Victor Jucá/Divulgação
Três anos depois de seu aclamado Aquarius, o diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho volta Cannes nesta quarta-feira (15) com Bacurau, determinado a oxigenar o cinema brasileiro, que atravessa tempos turbulentos no governo de Jair Bolsonaro. “Temos dois sentimentos em paralelo: por um lado de satisfação pessoal e artística, e por outro um sentimento de pena, porque o cinema brasileiro vinha em uma curva ascendente e agora enfrenta uma crise”, disse o cineasta de 51 anos. Bacurau disputa a competição oficial pela Palma de Ouro do festival e será exibido hoje.

Em 2016, a exibição em Cannes de seu longa-metragem Aquarius - também indicado para a Palma de Ouro - chamou a atenção do mundo inteiro quando o elenco posou no tapete vermelho mostrando cartazes que denunciavam um “golpe” contra a presidente Dilma Rousseff, que sofreu impeachment naquele ano. Sua segunda participação no festival de cinema mais famoso do planeta é “totalmente diferente”, diz o diretor pernambucano.



“O que acontece hoje com Bolsonaro tem uma ampla cobertura da imprensa internacional. Em maio de 2016, tínhamos a impressão de que a imprensa internacional não entendia realmente o que estava acontecendo no Brasil”, afirma. “Não sou político, sou um cineasta. Fizemos o protesto naquela época porque simplesmente fazia sentido, inclusive não foi nada planejado. Mas a gente realmente está querendo exibir Bacurau. Exibir em Cannes um filme foda sobre o Brasil vai ser nosso tipo de protesto.”

Bacurau é o terceiro longa-metragem de Kleber Mendonça, mas o primeiro que filma fora de sua cidade natal, Recife. O cenário escolhido dessa vez é o semiárido do nordeste brasileiro, a região do Sertão do Seridó, na divisa da Paraíba com o Rio Grande do Norte. Mendonça codirige o filme com Juliano Dornelles, parceiro em outros projetos na direção artística. No elenco, ele conta novamente com Sonia Braga, protagonista de Aquarius.
Sonia Braga e as DomingasFoto: Victor Jucá/Divulgação
O filme conta a história de uma pequena cidade do interior cuja tranquilidade se vê perturbada após a morte de uma de suas habitantes mais velhas, Carmelita, aos 94 anos. “Fazer filmes que tratam sobre dramas humanos e sobre pessoas que passam por todo tipo de dificuldades pode ser visto como um ato de resistência. Mas de nenhuma maneira quero me apresentar sob o rótulo de ‘cineasta da resistência’”, diz o diretor. “Sou um diretor brasileiro, que vive em um momento em que a sociedade brasileira sofre, e é aí que as histórias surgem”, acrescenta. 

MARXISMO CULTURAL
O setor artístico enfrenta turbulências desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o poder em janeiro com a promessa de erradicar o “marxismo cultural” do Brasil. O Ministério da Cultura foi extinto e suas responsabilidades transferidas para uma secretaria dentro do Ministério da Cidadania, que reúne diversas áreas como esporte e assistência social. “O marxismo cultural não existe, o que existe é o terreno livre da criação artística. Nenhum governo pode tratar a expressão artística com ideias preconcebidas, com ideologias”, diz Luiz Carlos Barreto, produtor de vasta experiência no cinema brasileiro. 

No primeiro trimestre do ano, durante os primeiros meses do mandato de Bolsonaro, o financiamento de projetos audiovisuais por empresas públicas foi de mais de R$ 1 milhão. Nesse ritmo, o financiamento total de 2019 será reduzido em mais da metade em comparação a 2018. Há dez anos, quando o país vivia um boom econômico, os fundos para o setor superaram os R$ 34 milhões (2009). Além disso, Bolsonaro anunciou sua intenção de restringir o alcance da Lei Rouanet.
Diretores e produtora Emilie Lesclaux. Foto: Victor Jucá/Divulgação
O cinema brasileiro também é ameaçado pela crise da Agência Nacional de Cinema (Ancine), que está na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) e suspendeu temporariamente a distribuição de recursos desde março. Para Kleber Mendonça, essa é uma crise “criada artificialmente para acabar com o cinema brasileiro”. “O que me deixou mais impressionado é um aparente medo, ou raiva do artista. Não entendo isso, porque somos todos brasileiros, nós também amamos nosso país”, diz. “Este filme eu já vi algumas vezes, essas turbulências, quando o cinema brasileiro se encontra em altura estabilizada, sereno, quando está muito bem, surgem sempre turbulências que o desestabilizam”, lamenta Luiz Carlos Barreto.

Farpas contra Trump
Primeiro latino-americano a presidir o júri no Festival de Cannes, o cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu disparou farpas contra Donald Trump. “Parece que cada tuíte é um tijolo de isolamento que cria paranoia e ameaça”, afirmou, ontem, na abertura da mostra. Ainda segundo ele, o fato de o festival o ter chamado para ser presidente de corpo de jurados é uma “declaração que fala por si só” em relação às políticas anti-imigração nos Estados Unidos. Dois anos atrás, o diretor de Birdman e O regresso apresentou em Cannes uma instalação em realidade virtual, Carne y arena, que simulava a travessia pelo deserto empreendida por imigrantes latinos. “Foi a minha forma de responder ao que está ocorrendo não só no México, mas em todas as fronteiras do mundo.” Iñárritu também defendeu as salas de cinema diante do crescimento da Netflix. “Ver é diferente de assistir. Não tenho nada contra a possibilidade de se ter um filme no celular ou no computador, mas sei que não é a mesma coisa. O cinema nasceu como experiência comunal”, disse.

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